14 janeiro 2021

Governadores temem perder o poder sobre a PM e a Polícia Civil


Deputados federais e Senadores se preparam para votar dois projetos de lei orgânica das polícias civil e militar. Os projetos restringem o poder de governadores sobre as duas polícias, braços armados dos Estados e do Distrito Federal. As propostas trazem mudanças pontuais na estrutura das polícias, como a criação da patente de general, hoje exclusiva das Forças Armadas, para as PMs, também a criação de um Conselho Nacional de Polícia Civil ligado à União.

O novo modelo é defendido por aliados do governo federal.

Na prática, os projetos diminuem o controle político dos governadores sobre as polícias, que perderiam o direito de indicar os seus comandantes gerais, em substituição ao que acontece hoje, haveria mandato de dois anos para os comandantes-gerais e delegados-gerais, também impediria, mediante condições, que os governadores exonerem os comandantes antes do prazo. Conforme os projetos, no caso da Polícia Militar, a nomeação do comandante sairia de uma lista tríplice indicada pelos oficiais. O texto prevê que a exoneração somente se dê, por iniciativa do governador, se "justificada e por motivo relevante devidamente comprovado".

Também faz parte da proposta a criação de um novo patamar hierárquico, equivalente ao posto dos oficiais-generais, por "simetria" com o padrão das Forças Armadas. Haveria, assim, três níveis: o mais alto seria o tenente-general, seguido do major-general e do brigadeiro-general. Atualmente, a hierarquia das PMs vai até os oficiais-superiores; a patente no topo é a de coronel. Enquanto na Aeronáutica, no Exército e na Marinha, os comandantes são considerados generais, nas PMs e nos Corpos de Bombeiros eles são coronéis.

Na Polícia Civil, o delegado-geral poderá ser escolhido diretamente pelo governador entre aqueles de classe mais alta na carreira. A dispensa "fundamentada", porém, precisa ser ratificada pela Assembleia Legislativa ou Câmara Distrital, em votação por maioria absoluta dos deputados.

Nas corporações os projetos são vistos como formas de defesa das corporações, principalmente contras ingerências e perseguições políticas. Já para alguns especialistas, o excesso de autonomia aos comandantes poderia dar margem ao surgimento de um projeto de poder paralelo, tornando os governadores "reféns" dos comandantes.

Uma das entidades consultadas para o projeto de lei, a Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais e do DF (Feneme) argumenta que a similaridade deve existir porque os policiais e os bombeiros militares constituem a força auxiliar e reserva do Exército. A legislação das polícias é de 1969 e, de acordo com a Feneme, as leis aprovadas nos Estados - sem uma padronização nacional - acabam desfigurando as polícias por "interesses particulares". A federação compara a situação dos militares estaduais à da advocacia, do Ministério Público e da magistratura, classes do sistema de Justiça que já possuem leis orgânicas.

O Palácio do Planalto vem sendo consultado e chegou a dar sugestões para os projetos de lei orgânica desde a gestão do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro. Questionado sobre o apoio político aos projetos, o atual titular da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, disse que "os pontos de discussão encontram-se sob análise".

O ministério confirmou que foram realizadas reuniões com conselhos nacionais, associações e sindicatos das polícias estaduais para discutir e receber sugestões ao texto.

Na eleição de 2018, Bolsonaro, que é capitão reformado do Exército, encampou o discurso de endurecimento na segurança pública e valorização de policiais, uma plataforma de campanha que também impulsionou a representação da classe no Legislativo.

Cor da farda e regra de promoção são impasses


Das duas leis orgânicas, o projeto mais adiantado politicamente é o das PMs. O texto vigente, porém, ainda não foi formalmente apresentado na Câmara. O relator do projeto é o deputado Capitão Augusto (PL-SP), líder da bancada da bala no Congresso - que reúne cerca de 300 parlamentares - e aliado do governo. Havia acordo com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para votá-lo ainda no ano passado, mas a pandemia e as eleições municipais adiaram a pauta. Além disso, falta consenso sobre boa parte das mudanças previstas, entre elas a padronização nacional de viaturas e uniformes.

Capitão Augusto admite que seu texto ainda deve passar por mudanças. O deputado apontou, por exemplo, a resistência da PM de Minas Gerais a adotar um fardamento padrão nacional diferente do atual, na cor cáqui, e a contrariedade da PM de São Paulo em exigir curso superior para ingresso na corporação.

Em algumas praças, há diferentes critérios de promoção e os PMs conseguiram benefícios no plano de carreira similares ao dos servidores estaduais. Se alterados por uma lei orgânica de alcance nacional, esse grupo poderia sair prejudicado.

"Está difícil chegar a consenso. Falta aparar algumas arestas para ter o texto pronto, mas, se não tiver consenso, vou pedir para pautar da mesma forma. A gente retira o que não tem acordo e aprova-se o resto", disse Capitão Augusto. "Desde a Constituição, faz 32 anos que estamos aguardando uma lei orgânica básica."

Projeto divide opiniões entre os governadores


Alguns governadores já manifestaram posicionamento, "Somos radicalmente contra", disse Doria, governador de São Paulo em entrevista. "Já mobilizamos a bancada de São Paulo e outros governadores estão mobilizando suas bancadas." Rival político e virtual adversário de Bolsonaro na eleição presidencial de 2022, o tucano afirmou que "logicamente" há interferência política do Planalto na proposta das polícias. Para ele, os projetos são de "uma visão de quem gosta de pólvora".

"Essa proposta veio do Legislativo, mas inspirada no Palácio do Planalto, nessa visão de quem gosta de pólvora, de cheiro de pólvora, que é o presidente Jair Bolsonaro", reagiu Doria durante entrevista coletiva em que fez novos anúncios sobre a vacina Coronavac, do Butantã e da empresa chinesa Sinovac.

"Qual é a razão disto, se historicamente as polícias militares, assim como a Polícia Civil, sempre atenderam, dentro da hierarquia, a orientação dos governos estaduais? Não há nenhuma razão que justifique, exceto a militarização desejada pelo presidente Bolsonaro para intimidar governadores através de força policial militar."

Nos gabinetes do Palácio dos Bandeirantes, o tucano foi além. Comparou a tentativa de dar autonomia às polícias a um "processo de ditadura", de acordo com um auxiliar.

Os projetos de lei viraram tema de debate no grupo de WhatsApp dos governadores. Segundo Doria, a maioria é contra. Mas nem todos quiseram se manifestar publicamente, a exemplo dos governadores de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), e do Rio, Claudio Castro (PSC), ambos aliados políticos de Bolsonaro. Outros alegaram não ter recebido informações oficiais sobre as propostas de mudança.

Alguns governadores, porém, afirmaram que os projetos de lei interferem em suas atribuições constitucionais. "Creio que o Supremo (Tribunal Federal) declararia inconstitucional se isso um dia fosse aprovado no Congresso, na medida em que viola o princípio federativo e também por vício de iniciativa", disse o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB). "Matéria desse tipo só pode tramitar nas Assembleias Legislativas, por iniciativa privativa dos governadores. Logo, quem desejar debater deve buscar as instâncias competentes dos Estados."

Como os projetos de lei estavam circulando apenas entre policiais, os governadores ainda não haviam se debruçado sobre essa articulação nem sobre o impacto dos projetos em suas prerrogativas. "Não estava no nosso radar", disse o governador Wellington Dias (PT), do Piauí, presidente do Fórum de Governadores do Nordeste. "Nossa posição é manter o princípio constitucional do poder do eleito na escolha da equipe para as áreas executivas e a Segurança Pública é uma delas."

As propostas também entraram na pauta dos candidatos à presidência da Câmara, Baleia Rossi (MDB-SP) e Arthur Lira (Progressistas-AL). Enquanto Baleia classificou a matéria como "inoportuna", Lira admitiu que pode pautar os projetos "sem preconceitos".

Os dois únicos governadores originários das carreiras envolvidas, Carlos Moisés (PSL), de Santa Catarina - coronel dos Bombeiros -, e Marcos Rocha (PSL), de Rondônia - coronel da PM -, não quiseram se manifestar. Com informações do site estadão.

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