15 abril 2023

Relatos de assédio constante surgem em quartel onde capitão matou sargento, segundo PMs


O mau tempo dentro da 4ª Companhia do 46º Batalhão da Polícia Militar da Capital tornou-se um pesadelo para os oficiais, soldados, cabos e sargentos que atuam no local. Uma semana depois que o capitão Francisco Laroca atirou e matou o sargento Rulian Ricardo dentro da corporação, colegas fardados relataram tensão nos corredores e temores de que uma nova tragédia esteja a caminho.

“A gente sabe que nada acontece com os oficiais. A cúpula da PM é corporativista. Nunca que eles vão punir os amigos. O que aconteceu na semana foi um estopim de uma série de desrespeito que ocorrem todos dos dias neste batalhão”, disse um policial militar familiarizado com a dinâmica do dia-a-dia da empresa, que não quis ser identificado para evitar represálias.

O regimento está localizado na zona sul de São Paulo, e a maioria das tropas são recrutas ou soldados das cidades do interior do estado de São Paulo. Agentes de segurança pública designados para esta companhia eram frequentemente punidos por qualquer motivo, sendo a punição mais comum a mudança de horário de trabalho, segundo relatos.

“A grande maioria que está lá tem pouco tempo de polícia, no máximo quatro anos. Eles sempre dificultam a troca da escala de trabalho impossibilitando que os policiais consigam viajar para voltar para casa. Esse batalhão deve ser o que mais pune em São Paulo. Eles [oficiais] têm feito a vida dos praças um inferno”, conta outro policial que já passou pela 4ª Companhia do 46º BPM/M.

“Meu plantão acabava na noite de uma quinta-feira. Se seguisse a escala normal, eu retornaria ao trabalho apenas no final da segunda-feira. Toda a minha equipe foi punida e por isso eu teria que me apresentar para trabalhar no sábado pela manhã. São mais de seis hora de viagem para voltar para casa e mais seis para retornar. Ficou impossível fazer essa logística e passei cerca de duas semanas sem ver a minha família”, relatou um dos policiais é casado, tem dois filhos e mora em uma pequena cidade na região de Marília, a mais de 400 quilômetros de onde trabalha. Ele ainda disse que o veículo que patrulhava sofreu dois problemas mecânicos em menos de uma semana, razão pela qual o Capitão Laroca mudou seu horário de trabalho, impedindo-o de voltar para casa.

Segundo os dois policiais, Laroca comandava o grupamento com mão de ferro e poucas pessoas tinham uma boa relação com ele. Segundo o PM, gritos e humilhações fazem parte do dia a dia de quem serve na companhia. Em mensagem de áudio atribuída ao sargento Rulian que circula em um grupo de WhatsApp formado por policiais militares, um policial reclama do comando do batalhão onde trabalha. “Pensa num lugar que tem uma má administração, uma má gerência, má gestão de pessoas. Mas a pessoa fica só exigindo, exigindo. Tô no meu limite”, falou.

Só um lado da história

A conversa no corredor da 4ª Companhia, 46º Regimento, BPM/M, divergiu da versão dada pelo alto escalão da Polícia Militar sobre o assassinato de Rulian. De acordo com a versão oficial, "durante uma briga no alojamento do sargento, Rulian sacou um revólver calibre 32 para uso pessoal, enquanto Laroca, que também estava armado, disparou três tiros em legítima defesa". O motorista do capitão, cabo da PM, também deflagrou um tiro contra o sargento.

Policiais da 6ª Companhia questionaram o posicionamento oficial dado para explicar a causa da morte. "Qual é o sentido de um policial trazer uma arma pessoal para o local de trabalho? Eles até disseram que ele estava deitado na cama com a arma. Para mim, isso não faz sentido", disse um policial entrevistado para a reportagem. “Só temos a versão de quem matou, não temos a versão de quem morreu”, declarou outro PM.

A Companhia instaurou um Inquérito Policial Militar (IPM) para apurar as circunstâncias da morte do sargento Rulian. Não ficou claro se o caso seria encaminhado à Corregedoria da PM Paulista. Segundo fontes, é improvável que Laroca seja punido de alguma forma por causa de sua posição. "São oficiais investigando e processando oficiais. Eles pertencem à mesma casta e não se punem para não abrir um precedente", disse um soldado.

Soldados, cabos e sargentos temem fazer qualquer tipo de denúncia à Ouvidoria, principalmente de superiores, por medo de represálias. O ouvidor de polícia de São Paulo Claudinho Silva está aberto a ouvir os policiais que queiram denunciar possíveis abusos no quartel.

“A Ouvidoria está totalmente aberta aos policiais. Eles podem nos procurar normalmente, garantimos o sigilo e o anonimato deles. Somos esse órgão de acesso à Justiça. Precisamos muito que a polícia confie na gente para passar essas informações, e, a partir daí, iniciar proposituras e diálogos no sentido de melhorar as condições de trabalho da corporação”, disse o ouvidor.

Sequestro e Tiros

Não é a primeira vez que o capitão Francisco Laroca é investigado pela polícia por irregularidades no trabalho. Em 2006, quando era tenente, La Roca foi afastado da Polícia Militar por simular o sequestro de um empresário para defender a morte de duas pessoas. O oficial foi então transferido para o quartel dos bombeiros, onde foi promovido a capitão e voltou a PM em novembro de 2020

Em 2013, ele foi preso em Ribeirão Preto após disparar vários tiros em um centro de eventos que realizava uma festa de formatura do curso de Direito. Segundo informações da EPTV, afiliada da TV Globo, cinco veículos foram atingidos, incluindo a caminhonete de Laroca, que estava furada de dentro para fora. O oficial foi liberado após pagar fiança de 800 reais.

Comunicado oficial


A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) informou em nota que o capitão Laroca não havia sido afastado do cargo durante a investigação da morte do sargento Rulian.

“A Polícia Militar apura todas as circunstâncias relativas aos fatos por meio de Inquérito Policial Militar (IPM). No momento, o oficial envolvido responde em liberdade. A instituição também está oferecendo apoio à família da vítima e apoio psicológico ao policial investigado. Outros detalhes serão preservados visando à autonomia do andamento dos trabalhos policiais”, diz a nota.

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